As eleições, nas Ilhas açorianas, corriam, normalmente, desde há tempos a esta parte. Não consta que, nos tempos da chamada Democracia, houvesse actos eleitorais anulados, como aconteceu no corrente ano. E não apenas nestas ilhas mas até na Metrópole. Coisa rara nos tempos modernos. Mas, enfim, há que aceitar, mormente quando a causas das anulações não são vulgares, nem naturais. É o que aconteceu em Vila Franca do Campo em que a culpa parece não ser de ninguém, mas somente de um erro humano, o que torna o acidente de se aceitar.
Este acontecimento traz-me à lembrança, não o roubo da urna de umas eleições realizadas no tempo da primeira República, na freguesia dos Cedros, mas outros ocorridos nesta pacata ilha do Pico.
Um dos partidos que concorria às eleições, habitualmente, perdia numa das freguesias da ilha. Para presidir à mesa eleitoral foi escolhido certo cavalheiro, nem sei o nome, que era pessoa de astutas atitudes e pertencia a essa facção política.
O cavalheiro apresentou-se no acto eleitoral envergando um fato novo, dada a solenidade do acontecimento. No entanto, na algibeira interior do casaco havia colocado uma pequena pasta de algodão embebida em óleo.
E assim, quando aparecia a votar um eleitor que sabia ser de partido contrário ao seu, pegava no boletim de voto com a mão suja de óleo e depositava-o na urna; e, quando um dos eleitores do seu partido ia votar, entregava-lhe o boletim, depois recebia-o e depositava-o na urna com a mão contrária e limpa.
Escusado será dizer que, aquando da contagem dos votos, os boletins do partido adversário estavam todos manchado e por isso inutilizados, enquanto os do partido do presidente foram totalmente aprovados e o partido, dessa vez, ganhou as eleições, como era de esperar.
O presidente, porém, recebeu como prémio da sua hábil atitude, a inutilização do casaco do fato estreado...
Um outro facto aconteceu igualmente na ilha do Pico.
O partido do Governador previa-se que perdesse em certa freguesia. O regedor queria que o chefe do distrito lhe desse duzentos mil reis e uma força de sargento para ganhar as eleições na sua freguesia. O governador ficou surpreendido com o pedido. Desejava saber o fim a que tais pedidos se destinavam, mas o regedor ficou na sua mudez e nada revelou. No entanto, o pedido foi atendido e os 200 mil reis vieram já na bolsa do regedor. Na véspera do dia destinado às eleições, uma força de sargento atravessou o canal e albergou-se em qualquer sítio recôndito. O principal grupo contrário ao governador ficava num extremo da freguesia, afastado do local onde se realizava a eleição. Numa casa devoluta, foi montada uma mesa e nela não faltou carne, pão e vinho. Todos os eleitores que vinham descendo para o centro da freguesia, eram convidados, por pessoa insuspeita, a entrar e a banquetear-se. A sala encheu-se e a animação foi grande. Em certo momento um dos convivas lembrou que era tempo de descerem à freguesia para votar. Mas, o inesperado aconteceu. Quando chegaram à porta para sair, a casa estava rodeada de tropa com as armas em riste, impedindo a saída a qualquer pessoa. E assim ficaram, barafustando e protestando por tal atitude.
Quando chegou a hora de encerrar a urna, os “retidos” foram deixados abandonar a sala e encaminharam-se, em correria, para a mesa eleitoral. Era tarde. A urna já se encontrava fechada e eles não puderam exercer o seu direito de voto.
Escusado será dizer que o partido do Governador, naquele ano, ganhou as eleições. Afinal, “coisas do arco-da-velha”, que hoje seriam impossíveis acontecer.
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